REVIEW La traviata, Lisbon, December 2002 A Traviata: bravo, bravíssimo! Fernando Pires, Diário de Notícias, 12 December 2002 Retiramos o título, com uma vénia, ao conhecido programa da RAI, descobridor de talentos artísticos juvenis, para celebrar um espectáculo de gente maior. A melhor Traviata de há muitos anos, num Teatro de S. Carlos muito activo. O programa mantém a excelência, começou a publicar-se um jornal, deu-se início a um ciclo chamado «Breves Palavras», pelo maestro Filipe Carvalheiro, sobre a ópera em cena, particularmente destinado ao público jovem, o salão de entrada prossegue exposições. A Traviata dá agora o mote, com fotos dos intérpretes em S. Carlos, memórias de elencos, cartazes, adereços, figurinos, colecções de revistas e recortes de jornais. Maria Callas, 44 anos depois da sua apresentação em Lisboa, predomina em tudo, até o próprio programa a evoca, e constitui motivo de alguns saborosos títulos da imprensa da época. Mas o melhor, foi (é) a Traviata, desde já referindo o elenco da estreia da série de récitas em curso até dia 15. Uma noite de que ficará memória, não porque debutaram uma Violeta, um Alfredo, um Germont, mas porque os seus protagonistas são cantores do mais alto gabarito. Dimitra Theodossiou não é la nuova Callas nem precisa de o ser para ser um caso sério. A extensão, segurança e agilidade da voz impressionaram desde logo, com fulgurante final do Acto I, mas ainda refinou e o seu talento interpretativo construiu a personagem com grande força dramática. E sempre, sempre uma cantora. Giuseppe Sabbatini tem carreira feita, não teria nada a provar, mas terá pretendido um exame e fê-lo com uma inteligência cénica e uma técnica vocal superiores. Em De miei bolenti spiriti, o quasi da frase io vivo quasi in ciel, atacado em piano, crescendo ao máximo, e diminuindo para se fundir com in ciel num prolongado pianíssimo foi empolgante. O barítono Ambrogio Maestri afirmou-se a um nível equivalente à sua imponência física. Que prodigioso instrumento, que regalo a Di Provenza il mar, il suol, que distinção e autoridade na sua figura patriarcal! O pano, como antes para Theodossiou, devia ter-se aberto para este notável artista no final da cena. Aliás, assim sucederia na récita mais recente, a de terça- feira, sala cheia outra vez, em que actuaram os alternantes nos dois primeiros papéis, Annamaria Del'Oste e Valery Serkin. Estreante como Violeta, Del'Oste, que fez a Adina de Rossini há um ano, está à altura, supera com brilho as dificuldades da partitura, vive o drama da personagem com intensidade. Serkin está menos à vontade, o timbre é agradável, sabia-se do Boris, a presença também, falta alguma potência vocal. Formaram, contudo, um par que o público apreciou. No elenco português, que cumpriu as suas partes sem quebra da homogeneidade do conjunto, haverá que destacar a elegância e a bonita voz de Angélica Neto (Annina) e a actuação do coro. A categoria da Orquestra Sinfónica Portuguesa manifestou-se mais uma vez sob a batuta do seu maestro titular Zoltan Pésko. A encenação de Pier Luigi Pizzi, já conhecida e retocada (por Luca Veggetti), tem o mérito de credibilizar a acção, situando-a no seu tempo, e de prender o olhar no luxo dos salões, nos (supostos) veludos que os decoram, na harmonia e bom gosto da saleta de veraneio, na solidão do quarto em que Violeta agoniza e morre. |
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